Uma Campanha para a Fraternidade

Dr. Pe. Antonio Aparecido Alves

Membro do Grupo de Redação da CF-2019 da CNBB

Presbítero em São José dos Campos

Professor de Teologia na Faculdade Católica de São José dos Campos

(Artigo Publicado no Jornal O Vale de 17 de março de 2019)

 

Desde 1964 a Igreja do Brasil vive a experiência de uma campanha especial. Como ocorre nas campanhas em geral (por exemplo, de Vacinação ou de combate à Dengue), essa também tem um período específico em que acontece, com divulgação nos meios de comunicação e mídias sociais, bem como a utilização de subsídios preparados especialmente para esta finalidade, além do envolvimento de muitas pessoas e gestos concretos, chegando a encaminhamentos de ações que se prolongam para além dela. No caso da Igreja do Brasil, esse foi um trabalho que começou modesto em algumas Dioceses nordestinas, mas que logo envolveu a Região Nordeste. O nome sugestivo escolhido foi “Campanha da Fraternidade”, pois seu objetivo inicial era angariar recursos para as ações sociais da Cáritas e o período intensivo em que ela deveria acontecer seria o tempo litúrgico da Quaresma. Posteriormente esse trabalho foi assumido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, para ocorrer em todas as Dioceses brasileiras.

Atualmente essa Campanha visa enriquecer a dimensão da fraternidade, dentro do espírito de conversão que caracteriza a Quaresma. Depois deste período, ela continua como motivação em outros eventos,  tais como o Grito dos Excluídos, o Mês da Bíblia, o Mês Missionário, a Novena do Natal, entre outros. Além disto, por vezes ela perdura em Pastorais que surgem a partir de sua temática como, por exemplo, as Pastorais da Educação, da Pessoa Idosa, da Fé e Política e tantas outras, frutos de temas das Campanhas da Fraternidade. Em termos de gesto concreto, a Coleta que é realizada no Domingo de Ramos compõe o Fundo de Solidariedade, em nível nacional e diocesano, que apoia financeiramente projetos que estão afinados com o tema da Campanha. Como disse Jesus, uma árvore boa só pode dar bons frutos (Lc 6, 43-44) e essa, nesses cinquenta e cinco anos de existência, pelos seus frutos provou ser uma dessas árvores, nascida sob a inspiração do Espírito Santo e assumida pelos legítimos Pastores do Povo de Deus.

O fato de se ter um tema para ser rezado e vivido durante a Quaresma não diminui em nada o seu sentido espiritual, assim como não ocorre quando o fazemos para as Novenas dos Padroeiros de nossas Paróquias, onde se tem um tema geral, depois subtemas a cada noite, bem como gestos concretos, liturgia especial com músicas próprias e outras iniciativas socioculturais. Pelo contrário, o tema da Festa ajuda a viver a celebração do Padroeiro e motiva a vida da comunidade. Mutatis mutandis, pode-se dizer o mesmo da Campanha da Fraternidade em relação à Quaresma.

 

Os temas da Campanha da Fraternidade

 

Podemos observar uma evolução nos temas da Campanha da Fraternidade, que foram acompanhando o amadurecimento da Igreja do Brasil e os desafios da sociedade. Em seu início eram temáticas ligadas à estruturação interna da Igreja e à vivência de fé nas Paróquias como, por exemplo, o primeiro tema: “Lembre-se, você também é Igreja” (1964). Em uma segunda fase, já sob a luz da Gaudium et Spes das Conferências Gerais do CELAM em Medellín e Puebla, a Igreja começou a se preocupar com a realidade, denunciando o pecado social e promovendo a justiça.  Há que se destacar que foi neste período que ocorreu uma Campanha da Fraternidade sobre ecologia, em uma época em que esse era um tema sobre o qual pouco se falava: “Preserve o que é de todos” (1979). Com a abertura democrática os temas entraram em uma terceira fase, onde se abordam situações existenciais do povo brasileiro, tais como fome, terra, educação, água, saúde, pessoa idosa, exclusão social, menores e outras.

 

Fraternidade e Políticas Públicas

 

O tema deste ano impacta profundamente na vida de todos os brasileiros. Falar de “Políticas Públicas” não é o mesmo que falar de “Política”. Esta distinção é importante, especialmente por que há uma certa rejeição à Política e alguns poderiam objetar: “Falando de Política dentro da Quaresma?”. A palavra “Política” vem do grego “politikos”, que se refere a “polis”, cidade. Desta maneira, podemos definir “Política” como sendo a arte cuidar da cidade, que está no âmbito do exercício do Governo através do voto, uma vez que o poder vem do povo e em seu nome deve ser exercido. A Doutrina Social da Igreja afirma que a Política é uma maneira exigente de se viver o compromisso cristão a serviço dos outros (Paulo VI, Octogesima Adveniens, n. 46). De outra parte, o conceito de “Políticas públicas” se refere a soluções específicas para necessidades e problemas identificados na sociedade, sendo então a ação do Estado que busca garantir o bem dos cidadãos. Neste sentido todos podemos ajudar no levantamento destas necessidades e participar na proposição de políticas públicas para responder a elas, bem como monitorar sua aplicação através dos Conselhos deliberativos e consultivos, audiências públicas, observatório social, grupos de fiscalização do Executivo e outras iniciativas, sendo isto um exercício de cidadania (Texto-Base CF n. 7-8).

 

A perspectiva desta Campanha da Fraternidade

 

O Texto-Base em sua Introdução apresenta três aspectos que nos permitem entender o que interessa a esta Campanha: “O que são Políticas Públicas, qual a sua importância e a nossa participação como cristãos nelas”. Destaque-se nessas afirmações a frase “nossa participação como cristãos nelas”, pois à luz de nossa fé, do evangelho de Jesus e da Doutrina Social da Igreja, temos algo a oferecer à sociedade para contribuir para o bem de todos. Nós, cristãos, não somos uma casta fechada ou uma seita secreta, mas participamos das coisas da cidade como cidadãos. Portanto, participar das Políticas Públicas “como cristãos” significa contribuir com a riqueza da ética social cristã, que a Igreja, “perita em humanidade” (Paulo VI, Encíclica Populorum Progressio n. 13) ensina em sua Doutrina Social.

Os primeiros parágrafos do Texto-Base colocam esta Campanha na perspectiva das obras de misericórdia corporais, retomando a mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2016, no Ano da Misericórdia. Embasado nesta Mensagem, o Texto-Base destaca que as obras de misericórdia “ajudam na superação dos ídolos do saber, do poder e do possuir e são fonte inesgotável de transformação e identificação com Cristo, um verdadeiro caminho de libertação e de consumação da vida cristã” (n. 4). Recentemente, na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, ele destacou novamente a importância da misericórdia, repetindo o ensinamento de Santo Tomás de que um ato de misericórdia para com o próximo é mais importante que atos de culto, para manifestar nosso amor a Deus (n. 106). Aliás, isto é profundamente bíblico, pois os profetas recriminaram sempre uma religião que venha separada da prática da justiça, bem como Jesus o fez em relação aos fariseus.

Enfim, esse é o caminho a que somos convidados a rezar, refletir e agir nesta Campanha da Fraternidade, em espírito de conversão.

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